Fibromialgia e Síndrome da Fadiga Crónica, as doenças desconhecidas

21-12-2019 22:34

A fibromialgia e a síndrome de fadiga crónica são doenças complexas, de causa desconhecida e com dor generalizada, cansaço extremo e perturbações do sono. Apesar de serem doenças crónicas, os sintomas variam em intensidade e podem diminuir ou aumentar com o tempo. As variações da intensidade dos sintomas estão ligadas a condições climatéricas, mudanças hormonais, stress, depressão, ansiedade ou esforço maior que o habitual. Estima-se que a fibromialgia atinja entre 2 a 8% da população adulta, apesar de poder também atingir as crianças. Entre a população adulta atingida, 80 a 90% são mulheres entre os 30 e os 50 anos, ou seja, nove mulheres em cada homem. A síndrome de fadiga crónica, por seu turno, é considerada uma doença rara, que pode afectar entre 75 e 260 pessoas por cada 100 mil habitantes, consoante os países. Em Portugal, estima-se que possam existir cerca de 15 mil doentes. Tal como a fibromialgia, esta patologia incide mais sobre as mulheres, três vezes mais em mulheres que em homens, não discriminando consoante etnias, grupos sócio-económicos ou idade. Por questões culturais e sociais, muitos doentes não reconhecem publicamente a doença; têm vergonha. Outros há que têm reacções de recusa ou de rejeição da patologia. Por outro lado, alguns doentes apresentam uma hipervigilância sobre a doença de que sofrem. A atitude correcta é o controlo do doente sobre a patologia, compreendendo-a e adaptando-se à mesma.

  •  Dos sintomas ao diagnóstico

Os sintomas da fibromialgia e da síndrome de fadiga crónica variam consoante a pessoa e ao longo do tempo, dificultando o tratamento destas patologias e a adaptação dos doentes a um estilo de vida que lhes permita lidar com as doenças. Fadiga, dores musculares e articulares, alterações de sono e sono não reparador, alterações psicológicas, depressão, ansiedade, alergias a vários níveis, cefaleias, inflamações na garganta, perturbações gastrointestinais, tonturas, formigueiro nas mãos e perturbações cognitivas, como perdas temporárias de memória, são exemplos elucidativos das consequências destas duas patologias. Diagnosticar a doença não é simples, até porque não existem análises ou testes, até à data, que permitam aferir se um individuo tem ou não alguma destas doenças. Os critérios para definir a doença são básicos: a conjugação de sintomas durante um período de tempo prolongado numa pessoa que não padecia deles permite fazer um diagnóstico por exclusão. No caso da fibromialgia, ter há mais de três meses dor musculo-esquelética difusa e ter pelo menos 11 pontos dolorosos em 18 localizações pré-estabelecidas são os critérios suficientes para definir a doença. Mas, para além destes dois critérios, é necessário que o doente apresente mais dois destes quatro sintomas: fadiga, alterações do sono, perturbações emocionais e dores de cabeça. Os exames auxiliares de diagnóstico servem para afastar outras doenças que podem ter semelhanças com estas. No caso da síndrome de fadiga crónica, o início dos sintomas pode começar, muitas vezes, por um simples mal-estar semelhante ao da gripe.

  • Dor como fenómeno central

A dor musculo-esquelética difusa é o fenómeno central da fibromialgia. Esta patologia torna os doentes intolerantes à dor e intolerantes também a outros fenómenos, como a luz, ruído, produtos químicos, medicamentos, etc. Apesar da dor não ser constante, a fibromialgia é uma síndrome com sensibilização do sistema nervoso central, com desregulações variadas que consubstanciam aquilo que é a teoria da dor. Pensa-se que a fibromialgia seja uma estação terminal de dor. Esta dor crónica é por vezes descrita como “queimadura”, “ardor” ou “picada”. A sua intensidade varia com as horas do dia, os esforços produzidos, as condições climatéricas, a qualidade do sono da noite anterior, aspectos emocionais e stress. Para alguns médicos, a fibromialgia é uma “depressão mascarada”. É verdade que em um terço dos casos, a depressão acompanha a fibromialgia. E também é mais frequente que a depressão surja em doentes com fibromialgia do que em doentes com outras doenças crónicas. Porém estas associações não significam que os doentes com fibromialgia tenham depressão, uma vez que não existe uma causa-efeito entre as duas patologias. O conceito da fibromialgia é controverso, porque os médicos têm uma dependência psicológica de organicidade, ou seja, esperam que todas as doenças se vejam, sejam orgânicas. Por seu turno, a síndrome de fadiga crónica tem como sintoma predominante uma fadiga intensa, que se pode tornar incapacitante em mais de metade dos casos. Uma profunda exaustão e falta de energia perturbam estes doentes, para além de outros sintomas comuns com a fibromialgia. Os sintomas podem apresentar maior ou menor intensidade consoante o doente, mas o quadro geral é caracterizado por uma total incapacidade e persistência dos sintomas durante anos ou uma moderação que provoca um incómodo na vida diária do doente.

  •  Como surgem

Estas patologias surgem de forma indeterminada. Os doentes podem adquirir estas situações clínicas de diversas maneiras, por exemplo, por via de uma outra doença crónica. Apesar de terem causas desconhecidas, existem evidências que permitem correlacionar a fibromialgia e a síndrome da fadiga crónica com a desregulação de determinadas substâncias do sistema nervoso central. O stress psicológico e a patologia imunológica e endocrinológica podem contribuir para o desenvolvimento ou manutenção destas doenças. Existe um perfil fibromiálgico – algumas pessoas já têm esta patologia e qualquer choque vem “libertá-la”. Esse perfil pode, também, nunca chegar a manifestar-se sob a forma de doença.

  • Fibromialgia em crianças

A fibromialgia não é uma doença exclusiva dos adultos. Também as crianças, sobretudo com o início da vida escolar, manifestam esta patologia. São crianças, muitas vezes, marginalizadas, por não poderem fazer o que os outros da mesma idade fazem. Actualmente, há cada vez mais crianças fibromiálgicas. São filhas de mães portadoras da mesma doença, o que pressupõe que existe uma componente genética na patologia. Parece haver uma correlação de 43% entre a fibromialgia e um gene do cromossoma 22. As doenças reumáticas e da coluna também podem aparecer cedo nestas crianças, mostrando também os doentes tendência para alergias naso-faríngicas e respiratórias, alimentares, oculares e medicamentosas. Estas crianças sofrem muito, não só na escola, onde são marginalizadas por falta de sensibilização para a doença, mas também por parte dos pais, que não percebem as oscilações por que passam os filhos.

  • O tratamento

A fibromialgia não tem remissões espontâneas nem são conhecidos casos de cura. O mesmo acontece com a síndrome de fadiga crónica. Não existe uma terapêutica específica, mas existe um conjunto de medicamentos que pode ajudar a tratar e a estabilizar as doenças, aliviando os sintomas. Entre a panóplia de medicamentos, que podem variar de doente para doente, podem encontrar-se relaxantes musculares, analgésicos ou anti-depressivos. Também existe um estilo de vida que pode ser adoptado pelo doente para melhorar a sua condição física e psíquica. Os doentes podem praticar exercício físico, receber massagens relaxantes, fazer aplicações de calor, fazer fisioterapia e acupunctura, praticar técnicas de relaxamento, meditação, ioga, shiatsu. O importante nestes doentes é que evitem situações stressantes, uma vez que não respondem ao stress como outro indivíduo sem a doença, que equilibrem os momentos de actividade com os de repouso e adoptem um estilo de vida que se adeqúe aos seus sintomas e à sua capacidade de a eles reagir.

  • A fibromiologia na primeira pessoa

Um doente fibromiálgico enfrenta problemas diários decorrentes dos sintomas que apresenta esta doença. Sono perturbado ou invertido, fadiga permanente, rigidez muscular e dores no corpo, cãibras de repouso e tendência para lesões são alguns dos problemas que compõem uma lista extensa de dificuldades diárias vividas pelos doentes fibromiálgicos. Mas não só. É frequente terem que pedir ajuda para se levantar, ter problemas de memória ou sofrer com o estreitamento do campo da consciência. A hipersensibilidade a toques e picadas, as hipoglicemias reactivas, a síndrome do cólon irritável, as reacções adversas a determinados medicamentos ou a intolerância a ruídos fortes e luzes psicadélicas são outros factores de desconforto para estes doentes. O fundamental para quem vive com fibromialgia ou com síndrome da fadiga crónica é sentir-se acompanhado, tendo uma boa rede de apoio aos níveis familiar, profissional e social.