Hiperactividade e Défice de atenção na Criança
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Hiperactividade e Défice de atenção na Criança
A Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA), é reconhecida como uma patologia de origem neurobiológica caracterizada por um padrão persistente de falta de atenção e/ou impulsividade-hiperactividade presente em diferentes contextos da vida da criança com uma intensidade mais frequente e grave do que a observada em crianças com um nível semelhante de desenvolvimento.
Até há pouco tempo eram crianças apelidadas de “problemáticas”, ”desmotivadas”, “cabeças no ar”, “malcriadas”, ”indisciplinadas”, ”irresponsáveis” ou até mesmo, “pouco inteligentes”.
Afecta cerca de 3 a 5 % das crianças em idade escolar, sendo mais comum nos rapazes do que nas raparigas.
Trata-se de um problema crescente, que tem vindo a afectar um número cada vez maior de crianças e respectivas famílias, e no qual o farmacêutico tem oportunidade de intervir, prestando um apoio diferenciado e o melhor aconselhamento, em particular no que respeita às abordagens terapêuticas, tanto farmacológicas como não farmacológicas, instituídas após o diagnóstico.
Compreender a PHDA na criança
A PHDA caracteriza-se por uma ausência de controlo e não por uma ausência de vontade, ou seja não é intencional, não é uma questão de inteligência, mas sim consequência de uma perturbação neurológica.
As crianças com PHDA têm dificuldade em seguir regras e problemas de concentração e atenção, o que compromete significativamente o desempenho de tarefas, tanto em casa como na escola e a relação com os outros.
Com etiologia pouco esclarecida, podem ser múltiplas as causas implicadas:
1. Factores genéticos
Estudos revelaram que 20% a 30% dos pais de crianças hiperactivas manifestaram comportamentos hiperactivos durante a sua infância.
Parece haver uma maior prevalência de pertubações de humor, pertubações da ansiedade e pertubações da aprendizagem nos membros da família destas crianças.
2. Factores orgânicos, adquiridos ou constitucionais
Foram detectadas áreas do cérebro menos activas em pessoas
portadoras de PHDA, levando à suspeita de uma possível disfunção do lóbulo frontal e das estruturas diencéfalo-mesenfálicas. (alteração a nível dos neurotransmissores responsáveis pelos distúrbios nomeadamente noradrenalina e dopamina).
3. Factores ambientais ou sociais
Consumo de álcool, tabaco, marijuana e benzodiazepinas durante a gravidez.
O mecanismo subjacente à PHDA reside num défice entre o processamento da informação recebida e a resposta produzida, ou seja, por uma incapacidade em inibir apropriadamente a resposta até que toda a informação seja processada.
Uma perturbação complexa
O diagnóstico é exclusivamente clínico e obedece a cinco critérios de acordo com o Manual de Diagnóstico Estatístico de Desordens Mentais (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria (APA):
1. Presença de seis manifestações de falta de atenção ou de seis manifestações de hiperactividade, associadas a manifestações de impulsividade, que persistam por um período mínimo de seis meses, provocando alterações comportamentais, desadaptativas e inconsistentes com o nível de desenvolvimento da criança.
2. Manifestações com início antes dos sete anos.
3. Alterações significativas do comportamento ocorridas em pelo menos dois ambientes distintos (casa, escola), com envolvimento de relações intrapessoais (autoestima, humor) e de relações interpessoais (amigos e actividades sociais).
4. Evidência clínica clara de um défice significativo nas actividades sociais, escolares ou ocupacionais.
5. Exclusão de qualquer outra perturbação (autismo, esquizofrenia, perturbação do humor, perturbação de ansiedade) que possa estar subjacente às manifestações clínicas.
As principais manifestações da HPDA são:
Falta de atenção, hiperactividade e impulsividade que podem também estar associadas a perturbações da linguagem, perturbações do sono, aumento do risco de lesões acidentais e enurese.
As manifestações clínicas podem variar substancialmente entre ambientes:
Casa e escola; ambientes estruturados e não estruturados; pequenos ou grandes grupos; situações que exijam baixos ou altos desempenhos da criança; etc.. Por isso, crianças com PHDA podem estar muito atentas em situações que achem fascinantes (como ver televisão ou jogos electrónicos) ou quando em relação directa com um adulto.
Embora muitas crianças revelem sintomas tanto de falta de atenção como de hiperactividade-impulsividade, é possível distinguir três subtipos de PHDA de acordo com o predomÍnio de sintomas:
Desatento
A atenção da criança dispersa-se facilmente com estímulos irrelevantes para a tarefa que está a realizar. Os trabalhos escolares feitos em casa são um esforço terrível para a criança, e uma vez terminados estão cheios de erros e rasuras pelo que são acompanhados de frustração quer para os pais quer para a própria criança. Estas crianças não demonstram comportamentos de hiperactividade-impulsividade.
Tipo Predominantemente Hiperactivo-Impulsivo
Problemas no controlo dos movimentos, com actividade motora excessiva e necessidade de se manter em movimento constante. A impulsividade tem manifestações a nível emocional e cognitivo.
A falta de controlo emocional leva a criança a agir sem avaliar as consequências dos seus actos. A nível cognitivo as manifestações da impulsividade afectam sobretudo o desempenho escolar, em tarefas como a leitura, a escrita e a matemática.
Tipo Misto
É o mais frequente e combina a hiperactividade com impulsividade e a falta de atenção.
Falta de Atenção
• Dificuldade em manter a atenção durante as tarefas ou jogos.
• Parecem não ouvir quando lhe dirigem a palavra
• Não seguem as instruções e não terminam os trabalhos escolares ou outras tarefas.
• Tem dificuldade na organização de tarefas e de actividades que requeiram esforço mental contínuo, evitando-as ou mostrando relutância.
• Não prestam atenção aos pormenores ou cometem erros por descuido nas tarefas escolares ou outras.
• Perdem objectos imprescindíveis a um desempenho adequado de tarefas ou jogos (lápis, exercícios escolares, livros ou brinquedos).
• Esquecem-se de executar tarefas diárias comuns.
• Distraem-se facilmente com estímulos. (paisagem ou ruídos) irrelevantes.
Hiperactividade
• Falam em excesso.
• Levantam-se na sala de aula ou em outras situações nas quais se espera que permaneçam sentados.
• Têm dificuldade em participar em jogos ou actividades de uma forma calma.
• Correm, saltam e trepam de uma forma excessiva, em situações inapropriadas.
• Parecem ter uma energia inesgotável e estão sempre na disposição de mudar.
• Transportam objectos de um lado para o outro, batem palmas e mexem as mãos e os pés e não se mantêm sentados.
• Levantam-se frequentemente da mesa antes de acabar a refeição ou os trabalhos escolares para ver televisão.
Impulsividade
• Têm dificuldade em esperar pela sua vez.
• Interrompem as actividades dos outros (conversas ou jogos).
• Dão respostas precipitadas a perguntas que não foram completadas.
• Fazem comentários desadequados, não ouvem as normas que lhe são transmitidas, iniciam uma conversa em momentos inoportunos.
• São propensos a acidentes e envolvem-se em actividades perigosas sem ter em conta as possíveis consequências.
Abordagem terapêutica
A terapêutica tem por objectivo um equilíbrio emocional adequado e, melhorar o desempenho escolar e ocupacional.
A estratégia mais eficaz combina a intervenção comportamental, junto da criança e respectiva família, e a terapêutica medicamentosa.
A terapêutica farmacológica é individualizada de acordo com as características e necessidades específicas de cada criança. O acompanhamento médico deve ser sistemático, e a posologia ajustada mensalmente de acordo com a evolução dos sintomas, manifestação de reacções adversas, desenvolvimento de tolerância à terapêutica instituída, e de acordo com o “feedback” dos pais e professores.
Os medicamentos aprovados como terapêutica de 1ª linha de acordo com a Food and Drug Administration são:
• metilfenidato, amfetamina, sulfato de dextroamfetamina – substâncias com acção estimulante sobre o sistema nervoso central, com propriedades farmacológicas idênticas à das anfetaminas.
Embora o exacto mecanismo do metilfenidato não esteja bem esclarecido, tudo indica que bloqueia a recaptação da dopamina e noradrenalina para o neurónio pré-sináptico e aumenta a libertação destas monoaminas no espaço extra-neuronal.
As formulações de acção prolongada de metilfenidato apresentam a vantagem de terem um tempo de duração de acção superior (até 12h), conferindo cobertura terapêutica tanto durante o período de aulas como durante as actividades extracurriculares que envolvem convívio com amigos, e elaboração de trabalhos escolares em casa;
• atomoxetina – é um inibidor potente e altamente selectivo do transportador pré-sináptico da noradrenalina sem afectar directamente os transportadores da serotonina ou da dopamina. Ao contrário do grupo de fármacos anterior não é um psico-estimulante nem um derivado da anfetamina.
A atomoxetina é um medicamento eficaz para as crianças que não respondem ao metilfenidato ou para as que respondem parcialmente. Pode ser utilizado para tratar crianças que apresentam efeitos adversos, como tiques e alterações do peso, ou abusam dos estimulantes. É também uma boa escolha para o tratamento da PHDA com comorbilidades associadas nomeadamente, ansiedade, tiques, alterações do humor e abuso de substâncias
Quando a terapêutica não é eficaz, ou seja, quando os sintomas não estão controlados, ou quando há efeitos secundários marcados ou a PHDA está associada a outras perturbações (comorbilidades), pode recorrer-se a outros medicamentos em terapêutica conjunta ou isolada
Principais comorbilidades
• Perturbações específicas da aprendizagem - dificuldade na compreensão ou utilização da linguagem falada ou escrita 1,4,6
• Perturbação de Tiques - piscar de olhos, esticar o pescoço, encolher os ombros, abrir a boca, tossir, fazer caretas, “aclarar a garganta”, cliques de língua, grunhidos, uso de palavras obscenas
• Perturbação de oposição - perca de controlo, discussões com adultos, recusa em cumprir ordens ou regras, culpabilização de outros pelos seus erros ou mau comportamento, sentimentos de rancor.
• Perturbação do comportamento - violação dos direitos básicos dos outros, regras ou normas sociais próprias da idade da criança, como:
• Agressão a pessoas ou animais
• Destruição da propriedade
• Falsificação ou roubo
• Perturbações da Ansiedade por Separação - ansiedade excessiva relativa à separação da casa ou daqueles a quem a criança está vinculada. O sucesso da terapêutica depende de um esforço coordenado entre profissionais de saúde, profissionais de educação e pais de forma transdisciplinar
O Modafinil foi aprovado em 2005 para o tratamento da PHDA. Tem sido utilizado na dose de 340 mg em crianças com peso inferior a 30 Kg e 420 mg em crianças com peso superior a 30 Kg. È bem tolerado e sem riscos cardiovasculares significativos. Continua em investigação a sua utilização, mas pode constituir uma alternativa no futuro.
Trabalho de equipa
É fundamental que famílias e educadores compreendam os comportamentos típicos da PHDA. Por isso, a informação fornecida deve ser precisa e adequada, esclarecendo pais e professores sobre a patologia, sua terapêutica, consequências na aprendizagem, comportamento e auto-estima, promovendo uma abordagem coordenada.
A criança com PHDA tem maior facilidade de adaptação em ambientes familiares bem estruturados e baseados em rotinas e regras claras.
Algumas recomendações para pais:
• Responda às perguntas com a ”verdade“ curta e rápida
• Saiba dizer não quando é necessário
• Explique as regras
• Incentive antes de penalizar
• Converse com a criança e pensem juntos
• Crie uma metodologia de trabalho ou estudo
• Mostre que alguns erros são pontes para a resolução de problemas
• Promova a responsabilidade e a independência
• Planeie antecipadamente situações problemáticas
Na escola é importante estabelecer estratégias que permitam, com mais facilidade, ajustar o comportamento da criança, de forma que esta aprenda e deixe que os outros alunos, da turma, aprendam também.
Algumas recomendações para os professores:
• Certifique-se que o aluno compreendeu instrução
• Compreenda as dificuldades do aluno e integre-as na sala de aula
• Divida as tarefas
• Dê instruções claras e breves
• Evite criticar o aluno
• Faça algumas adaptações na sala de aula (sente a criança perto do professor, longe da janela, escolha os períodos do dia de maior atenção da criança para actividades mais estruturadas)
Os comportamentos adequados devem ser recompensados:
• Tente manter níveis elevados de motivação para aprender
• Remova os objectos que possam iniciar um comportamento não desejado
• Antecipe e previna os problemas, sempre que possível.
Conclusão
A PHDA é uma perturbação do comportamento frequente em pediatria.
O seu diagnóstico precoce e preciso, e uma intervenção eficaz e abrangente, são essenciais para um melhor prognóstico. Apesar das limitações da terapêutica, os fármacos estimulantes revelam-se eficazes, pelo que a intervenção farmacêutica neste domínio se reveste da maior importância, no esclarecimento da sua correcta utilização e monitorização.