Terapêutica Hormonal de Substituição

21-12-2019 22:42

A menopausa é um processo biológico natural cuja principal alteração fisiológica é a cessação de produção de estrogénios pelo ovário. A redução da concentração circulante de estrogénios origina manifestações clínicas variadas que podem ser minimizadas com recurso à Terapêutica Hormonal de Substituição (THS).

Durante os anos 80 e 90 a terapêutica hormonal de substituição de longa duração era recomendada praticamente para todas as mulheres, não só para alívio sintomático da menopausa, mas também para prevenção da osteoporose e doenças cardiovasculares.1 Actualmente esta situação alterou-se devido à publicação dos resultados de estudos como o Women’s Health Iniciative (WHI)2 e Million Women Study3 em 2002 e 2003, respectivamente. Estes estudos revelaram novos dados sobre a relação entre a THS e o risco de cancro da mama, doença coronária arterial, trombose venosa profunda e cancro do ovário, e promoveram uma reavaliação do perfil benefício-risco da THS por parte das agências de medicamentos.4 Neste artigo procuramos abordar as principais implicações da menopausa na saúde da mulher, bem como uma visão actual do que é preconizado para a THS.

  • Introdução

A menopausa é definida por uma cessação permanente do ciclo menstrual, sendo diagnosticada, por convenção, após 12 meses de amenorreia. Caracteriza-se por alterações menstruais que reflectem a depleção de oócitos e a subsequente redução da produção de hormonas pelo ovário. A transição para a menopausa é um período que dura cerca de 4 anos e precede a menopausa que ocorre em média aos 51 anos nos países desenvolvidos.1,5 A menopausa pode ocorrer espontaneamente (natural), normalmente após os 40 anos de idade, sem causa patológica associada, mas pode também ser induzida por intervenções médicas como a ooforectomia bilateral, os tratamentos de quimioterapia ou a radioterapia pélvica.

  • Alterações fisiológicas e manifestações clínicas

As principais alterações fisiológicas da menopausa resultam da redução da produção de estradiol pelo ovário conduzindo a um abaixamento circulante de estrogénios, androgénios e de progesterona, embora a glândula suprarenal se mantenha activa produzindo as hormonas em quantidades inferiores às necessárias para prevenir a menopausa. O estrogénio dominante deixa de ser o estradiol e passa a ser a estrona, e verifica-se um aumento da razão androgénios/estrogénios. As manifestações clínicas mais comuns progridem faseadamente. Além destas manifestações, a menopausa influencia a homeostase do osso, sendo uma das causas da osteoporose em mulheres na pósmenopausa. Os estrogénios inibem a reabsorção óssea, pelo que, na transição para a menopausa, com uma redução nas concentrações circulantes de estrogénios, a reabsorção óssea excede a formação de osso o que pode levar a uma perda de tecido ósseo na ordem dos 3 a 5% por ano nos primeiros anos depois do final do período menstrual, após o que abranda para 1 a 2% por ano. As estimativas actuais apontam para que cerca de 40% das mulheres com mais de 50 anos irão sofrer uma fractura no decurso da sua vida devido à osteoporose. Também o risco cardiovascular aumenta após a menopausa, o que pode estar relacionado com o aumento das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e da apolipoproteína B. Além destes factores, os estrogénios parecem ter um efeito vasodilatador directo na artéria coronária mediado pela formação de factor relaxante derivado do endotélio, pela redução dos níveis de endotelina e pela promoção da produção de prostaciclina. Este efeito protector desaparece com a redução dos níveis hormonais, contribuindo assim para o aumento do risco cardiovascular após a menopausa.

  • Terapêutica hormonal

CONTRACEPTIVOS HORMONAIS

Durante a perimenopausa, apesar da redução da fertilidade, a gravidez é ainda possível, o que faz dos contraceptivos hormonais uma opção a considerar. Nestes casos, os contraceptivos combinados (orais ou noutras apresentações) além de representarem uma alternativa segura e efectiva para mulheres saudáveis não fumadoras, apresentam outros benefícios como a regulação da hemorragia uterina, redução dos sintomas vasomotores, manutenção da densidade óssea e redução do risco de tumor do ovário e endométrio. Os contraceptivos com progestagénios isolados são uma alternativa para a contracepção em mulheres na perimenopausa para as quais os estrogénios estão contra-indicados (mulheres fumadoras, com Hipertensão Arterial (HTA), diabetes mellitus e doença vascular periférica, e mulheres com história de enxaqueca, de doença arterial coronária, de doença vascular cerebral e de tromboembolismo venoso). Estes contraceptivos apresentam algumas desvantagens relativamente aos contraceptivos combinados, como o facto da eficácia contraceptiva das apresentações orais de baixa dosagem obrigar ao cumprimento rigoroso dos horários da toma, e, o facto de poderem causar irregularidades na hemorragia uterina.

THS

A THS é uma alternativa eficaz no tratamento dos sintomas vasomotores, na prevenção e tratamento da osteoporose (redução da perda de tecido ósseo e do risco de fractura) e no tratamento da atrofia urogenital. Após a publicação dos resultados dos estudos WHI e Million Women Study (MWS), o Grupo de Peritos do Comité das Especialidades Farmacêuticas (CPMP) da Agência Europeia de Avaliação de Medicamentos (EMEA) reavaliou o posicionamento desta terapêutica. Os resultados destes estudos demonstraram que a terapêutica com estrogénios isolados está associada, de forma dependente da duração do tratamento, a um maior risco de cancro da mama, de cancro do endométrio e possivelmente de cancro do ovário relativamente ao placebo. Relativamente à terapêutica com estrogénios isolados, a combinação com progestagénios está associada a um risco superior de cancro da mama, mas inferior de cancro do endométrio. Em relação ao possível efeito protector cardiovascular, demonstrou-se um aumento do risco, dependente da idade e duração da terapêutica, para o enfarte do miocárdio e trombose venosa profunda durante o primeiro ano de utilização, bem como um aumento do risco de acidente vascular cerebral isquémico. A terapêutica com tibolona está também associada a risco de cancro da mama, superior ao risco da terapêutica com estrogénios, mas inferior ao da associação de estrogénios com progestagénios. Os resultados posteriores (2005) do MWS indicam que os estrogénios e a tibolona aumentam o risco de cancro do endométrio. Desta forma, as recomendações da EMEA indicam que:

• A relação benefício - risco da THS é favorável apenas no tratamento de sintomas da menopausa devendo ser utilizada a dose eficaz mínima no menor período de tempo possível.

• A relação benefício-risco é considerada desfavorável para a THS como tratamento de primeira linha na prevenção de osteoporose, e em mulheres saudáveis sem sintomatologia.

• A THS poderá ser uma alternativa considerada na prevenção da osteoporose em mulheres na pósmenopausa, com elevado risco para fracturas ósseas, que são intolerantes ou para as quais estejam contra-indicadas outras alternativas terapêuticas aprovadas para a prevenção da osteoporose (bifosfonatos ou modeladores selectivos dos receptores dos estrogénios).

A posição da International Menopause Society (IMS) difere da EMEA, na medida em que considera que os testes realizados nos ensaios clínicos disponíveis, não têm potência estatística para tirar conclusões da utilização da THS quando iniciada na transição para a menopausa, pois a idade média das participantes no estudo foi de 63 anos não tendo sido incluídas mulheres com idade inferior a 50 anos. A IMS recomenda a utilização da THS na fase de transição para a menopausa no alívio dos sintomas vasomotores, atrofia urogenital, prevenção da perda de massa óssea e de fracturas, e considera que os benefícios clínicos na prevenção das doenças cardiovasculares e protecção do sistema nervoso são prováveis mas ainda não estão confirmados.

Terapêutica com Estrogénios isolados (TE)

A terapêutica com estrogénios isolados está associada a um risco de adenocarcinoma endometrial, pelo que está aconselhada apenas em mulheres histerectomizadas ou, sob vigilância apertada, em mulheres com intolerância aos progestagénios.

O termo estrogénios inclui uma variedade de compostos químicos com afinidade para os receptores estrogénicos  e  que podem ser humanos (estradiol), não humanos (estrogénios conjugados extraídos e purificados da urina de éguas grávidas), misturas de estrogénios sintéticos (estrogénios conjugados e esterificados) e análogos sintéticos (com ou sem esqueleto esteróide - etinilestradiol).5 Os estrogénios são bem absorvidos por administração oral ou transdérmica, mas a aplicação tópica vaginal requer doses mais elevadas para obtenção de efeitos sistémicos. Quando administrados oralmente, são sujeitos ao efeito de primeira passagem hepática, sendo a estrona o estrogénio circulante predominante. Este efeito hepático está associado a um aumento nas concentrações de colesterol HDL (efeito protector) e de trigliceridos. A via de administração transdérmica, por não estar sujeita ao efeito de primeira passagem hepática, produz concentrações plasmáticas terapêuticas de estradiol (mais potente) e níveis mais baixos de estrona, pelo que requer doses mais baixas relativamente à administração oral, sendo a opção mais indicada para mulheres com hipertrigliceridemia, doença hepática, enxaqueca e com risco aumentado de trombose venosa. As formulações vaginais comercializadas, veiculam doses baixas de estrogénios, e são actualmente indicadas apenas para tratamento local dos sintomas urogenitais. A potência dos estrogénios varia com o tipo de estrogénio e com a via de administração. Para o estradiol, por exemplo, a dose de 1 mg administrada oralmente é aproximadamente equivalente a 50 µg administrados por via transdérmica.

Terapêutica com Estrogénios em associação com Progestagénios (TEP)

Os progestagénios têm uma acção anti-estrogénica no endométrio, uma vez que promovem a redução do número de receptores de estrogénios neste tecido e estimulam a enzima que converte o estradiol em estrona (menos potente). Como resultado, existe uma menor estimulação estrogénica do endométrio. Desta forma, apesar dos dados existentes sugerirem que os benefícios da THS estão maioritariamente relacionados com o componente estrogénio, o componente progestagénio é importante para redução do risco de adenocarcinoma endometrial em mulheres com útero intacto. O termo progestagénio inclui uma variedade de hormonas sintéticas com propriedades semelhantes às da progesterona humana, estruturalmente com ela relacionadas (medroxiprogesterona) ou com a testosterona (levonorgestrel, norgestrel e noretisterona). O componente progestagénio pode ser administrado de forma contínua ou cíclica. No regime contínuo, a associação dos dois componentes é administrada continuamente sem interrupção. No regime cíclico, o progestagénio é adicionado apenas em 10 a 14 dias, geralmente no final de cada ciclo. A dose a administrar depende da dose de estrogénio e do tipo de regime, sendo normalmente utilizadas doses mais baixas no regime contínuo.

Tibolona

A tibolona é um esteróide de síntese derivado do estreno que combina propriedades estrogénicas e progestagénicas com uma actividade androgénica fraca. Tem eficácia subjectiva no tratamento dos sintomas vasomotores, é eficaz no tratamento da atrofia urogenital e na prevenção e tratamento da osteoporose. Ao contrário dos estrogénios, a estimulação do endométrio é mínima, pelo que não é necessária a terapêutica concomitante com progestagénios em mulheres com útero.

  •  Alternativas terapêuticas

MUDANÇA DE ESTILOS DE VIDA

A adopção de estilos de vida saudáveis deverá ser a primeira abordagem na prevenção e tratamento das consequências da menopausa. Algumas recomendações são: deixar de fumar, de consumir álcool e consumir cafeína moderadamente, praticar exercício regular adequado à condição física, controlar o peso e adquirir hábitos alimentares saudáveis.

TRATAMENTO DOS SINTOMAS VASOMOTORES

Algumas terapêuticas têm sido estudadas e utilizadas em alternativa à THS:

  1. Fitoestrogénios – são compostos com estrutura química similar à dos estrogénios. As isoflavonas de soja (genisteína e daidzeína), frequentemente utilizadas na menopausa, são fitoestrogénios flavonóides que apresentam estrutura química similar ao estradiol. Actuam nos receptores dos estrogénios e apresentam uma actividade estrogénica fraca em mulheres na pósmenopausa.  A maioria dos estudos mostram que as proteínas de soja e as isoflavonas (40 a 80 mg/dia) têm apenas um efeito modesto na redução dos sintomas vasomotores.
  2. Inibidores da recaptação da serotonina – Venlafaxina (37,5 a 75 mg/dia), paroxetina (12,5 a 25 mg/ dia) e fluoxetina (20 mg/dia).
  3. Gabapentina – 300 mg 1, 2 ou 3 vezes por dia.
  4. Clonidina – 0,05 a 0,1 mg 2 vezes por dia. Demonstrou menos eficácia que os antidepressores e a gabapentina.
  5. Vitamina E – 800 UI/dia. Demonstrou redução estatística dos sintomas vasomotores, mas com significado clínico mínimo.

PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA OSTEOPOROSE

  1. Aporte adequado de vitamina D (400UI/dia) e cálcio (1000 mg/dia até aos 50 anos, e 1200 mg/dia a partir dos 51 anos) na pósmenopausa tem demonstrado eficácia e segurança no tratamento da osteoporose em mulheres mais velhas, particularmente em mulheres com défices alimentares.
  2. Bifosfonatos – Ácido alendrónico (10 mg/dia ou 70 mg/semana) e risedronato (5 mg/dia ou 35 mg/semana). Actuam por inibição dos osteoclastos, reduzindo a reabsorção do tecido ósseo. Demonstraram aumentar a densidade óssea  e reduzir a incidência de fracturas.
  3. Moduladores selectivos dos receptores dos estrogénios – Raloxifeno (60 mg/dia). Tem actividade estrogénica fraca em alguns tecidos como o tecido ósseo, e actividade antiestrogénica noutros como o endométrio e a mama. Demonstrou inibir a reabsorção óssea, aumentar a densidade mineral óssea (DMO) na coluna vertebral e na anca, e reduzir a incidência de fractura.
  4. Calcitonina – não está aprovada para prevenção da osteoporose, mas apenas para tratamento. Demonstrou inibir a actividade dos osteoclastos “in vitro”.
  5. Fitoestrogénios - A maioria dos estudos sugere que as isoflavonas (80 a 90 mg/dia) podem aumentar a Densidade Mineral Óssea (DMO) ou reduzir a perda de DMO em mulheres na pós-menopausa.